Claudio Humberto
Após chamarem de “fascistas” e “terroristas”, manifestantes contra e a
favor de uma intervenção militar no Brasil entraram em confronto neste
sábado (22), em frente ao Palácio Duque de Caxias, no centro do Rio, e
policiais militares do Batalhão de Grandes Eventos usaram cassetetes e
balas de borracha para acabar com a confusão.
Um grupo estimado em 150 pessoas pela Polícia Militar participava da
tentativa de reeditar a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, 50
anos depois do movimento que antecedeu o golpe militar em 1964, quando
cerca de 50 militantes de movimentos sociais se aproximaram aos gritos
de “cadeia, já, para os fascistas do regime militar”. Os defensores da
intervenção militar responderam aos gritos de “fora, comunistas,” e
“terroristas”, e o clima ficou tenso.
A polícia fez um cordão de isolamento para impedir que os dois grupos
se confrontassem, mas um homem que participava da Marcha da Família
conseguiu furar o bloqueio, passando por cima de uma das saídas de ar
próximas ao Panteão e ao monumento de Duque de Caxias e avançou contra
os representantes dos movimentos sociais. Depois de agredir um
manifestante, ele foi atingido com o cabo de uma bandeira, e os
policiais dispersaram o protesto contra a intervenção, usando balas de
borracha e cassetetes. Os manifestantes correram para a Central do
Brasil, onde parte do comércio fechou as portas.
Em pelo menos mais duas ocasiões, manifestantes de lados opostos
trocaram socos e chutes em frente ao Quartel-General do Comando Militar
do Leste, e a polícia tentou separar as brigas. Durante cerca de 20
minutos, o clima foi de provocação, com palavras de baixo calão,
acusações e xingamentos. Depois, o grupo contrário à intervenção militar
se manteve em frente à Central do Brasil, enquanto a Marcha da Família
continuou ao lado do prédio do Exército, já com número bastante
reduzido.
O movimento que pedia intervenção militar no país se concentrou na
Candelária e seguiu pela Avenida Presidente Vargas, que teve uma de suas
pistas interditadas. Com gritos de “fora, PT”, “fora, comunismo” e
“fora, Dilma”, os manifestantes levantavam cartazes que pediam a troca
das eleições por um governo militar que “limpasse o Congresso de
corruptos”. Com bandeiras do Brasil e faixas, o grupo parou diante do
Palácio Duque de Caxias e cantou o Hino Nacional. Depois, continuaram os gritos de rejeição ao governo e ao sistema político.
Um ativista que transmitia o evento ao vivo pela internet foi
hostilizado por membros da marcha aos gritos de “Vá para Cuba, você não é
brasileiro”. Um dos manifestantes, então, deu um tapa no celular que
era usado para a filmagem e o derrubou no chão. Sem se exaltar, o
ativista pegou o aparelho de volta e se afastou.
Um dos organizadores da Marcha da Família, o cabo da reserva do
Exército Emílio Alarcon, ponderou que, apesar dos pedidos de
intervenção, a intenção deles não é a instauração de uma ditadura
militar. Para ele, as Forças Armadas devem fechar o Congresso e derrubar
o Executivo, para convocar novas eleições apenas com candidatos ficha
limpa. “A intervenção é constitucional. A gente não está pedindo nada de
anormal”, disse ele.
Para reivindicar a intervenção, os militantes desse grupo usaram o
Artigo 142 da Constituição, que diz: “As Forças Armadas, constituídas
pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e
destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Na
interpretação do grupo, tal obrigação de garantir os poderes
justificaria a intervenção, já que há problemas institucionais graves
que só podem ser resolvidos dessa forma: “seria um reset, formatar de novo o Brasil. Todos os partidos estão envolvidos em corrupção”, argumentou Alarcon.
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) compareceu à marcha, mas
não se posicionou a favor do pedido de intervenção militar, por entender
que isso descaracteriza o movimento. “Estou aqui como um patriota”,
disse Bolsonaro.
Na manifestação contra a marcha, militantes usaram palavras como
anencéfalos e assassinos para provocar os defensores da intervenção. Em
um dos cartazes, havia o pedido: “Paredão aos torturadores do regime
militar”. “Este movimento quer a união da ditadura do capital à ditadura
militar. Hoje, vivemos a ditadura do capital, porque um governo que
remove famílias e leiloa o petróleo e o gás não está em busca dos nossos
interesses, e sim dos norte-americanos. Esta marcha é uma demência. Só
um tarado pode defender um regime que torturou e matou”, disse André de
Paula, membro da Frente Internacionalista dos Sem-Teto.
A militante dos direitos LGBT Indianara Siqueira também se manifestou
contra a Marcha da Família: “São pessoas que acham que perderam muito
com a nossa sociedade mais liberal, de certa maneira. Eles falam em
família como se nós não tivéssemos uma família, como se não
pertencêssemos a nenhuma família e brotássemos como cogumelos do chão”,
protestou Indianara.
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