Por Magno Martins
A
notícia da morte do poeta João Paraibano, o mais pernambucano de todos
os paraibanos que escolheram este pedaço de chão nordestino para viver,
emudeceu o som da viola, engasgou a voz dos repentistas pajeuzeiros,
silenciou o campo, entristeceu a alma dos seus admiradores e levou o
Pajeú às lágrimas.
Tem
gente que não devia morrer nunca. Com a sua viola inseparável, João
Paraibano era um desses. Repentista de mão cheia, improvisador que a
partir de um mote criava espontaneamente um poema, ele cantava a
natureza, os animais e sua gente.
Era
um gênio em qualquer dos gêneros do improviso: sextilhas, décimas,
oitavas, martelos e o galope a beira mar. Simples, bem inspirado, seguro
na estruturação do verso, estava inserido no rol dos grandes nomes da
cantoria nordestina, um dos maiores astros permanentes no palco dos
festivais de cantoria da região.
Sabia
temperar com emoção e graça seus versos doces e espontâneos, que
entravam em nossos ouvidos como um canto de sereia, enfeitiçando e
seduzindo. Com o seu canto, fez da dor sertaneja o riso, da seca o grito
dos excluídos. Sua poesia, como dizia, vinha como uma flor da ventania.
João
Paraibano tinha uma verve só comparável aos grandes menestréis da
poesia, trovões do improviso, como os saudosos Lourival Batista, Pinto
do Monteiro, João Furiba, Otacílio Batista, Jó Patriota, Manoel Filó e
Cancão. Na euforia das primeiras chuvas, quando o companheiro de viola
lhe provocou sobre a seca, João Paraibano beliscou as cordas da viola e
cantou assim:
“Cai
a chuva no telhado/ a dona pega e coloca/ uma lata na goteira/ onde a
água faz barroca/ cada pingo é um baião/ que o fundo da lata toca.” “Vi
o fantasma da seca/ Ser transportado numa rede/ Vi o açude secando/ Com
três rachões na parede/ E as abelhas no velório/ Da flor que morreu de
sede.
Um
companheiro de cantoria lembrou-lhe a chegada da velhice, dada a
presença dos cabelos brancos que já lhe enfeitavam a fronte e apresentou
o seguinte mote: “A velhice vem chegando/ é preciso ter cuidado!”
Paraibano
respondeu magistralmente: “Estou ficando cansado/ o corpo sem
energia.../ Jesus pintou meu cabelo no final da boemia/ pintou mas nem
perguntou/ qual era a cor que eu queria!”
Numa cantoria em que era saudada a chegada da chuva no sertão, improvisou alegre:
“Quando
esbalda o nevoeiro/ rasga-se a nuvem, a água rola/ um sapo vomita
espuma/ onde o boi passa se atola/ e a fartura esconde o saco/ que a
fome pedia esmola.”
João
Paraibano cantou com maestria o seu sertão do Pajeú, especialmente a
sua amada Afogados da Ingazeira, com quem fez um casamento indissolúvel.
'Uma
vida vivida no sertão/ uma fruta madura já caindo/ um relâmpago na
nuvem se abrindo/ um gemido do tiro do trovão/ meia dúzia de amigos no
salão/ nem precisa de um piso de cimento/ minha voz, as três cordas do
instrumento/ o meu quadro de louco está pintado/ O poeta é um ser
iluminado/ que faz verso com arte e sentimento”.
Sobre a saudade: 'Vou
no trem da saudade todo dia/ Visitar o lugar que eu fui criado/ No
vagão da saudade eu tenho ido/ Ver a casa que antes nasci nela/ Uma lata
de flores na janela/A parede de taipa e o chão varrido/ Milho mole
esperando ser moído/ Numa máquina com o ferro enferrujado/ Que apesar da
preguiça e do enfado/ Mãe botava de pouco e eu moía/ Vou no trem da
saudade todo dia/ Visitar o lugar que fui criado”.
João
Paraibano amava o que fazia, a poesia, que no seu canto se fez belo e
forte. João era a beleza que se ouve no silêncio. A sua poesia penetrava
no vazio das nossas almas e nos fazia feliz. João era aquele poeta que
os demais poetas olhavam para ele para aprender de novo. Ele
desencaixotava emoções, recuperava sentidos.
Só veem as belezas do mundo, através do canto e da poesia, aqueles que têm belezas dentro de si, como João Paraibano.
Descansa em paz, poeta!
Nenhum comentário:
Postar um comentário