Em 18 estados do país, as audiências de custódia resultam em mais decisões de prisão preventiva que em liberdade provisória segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coletados entre 2015 e dezembro de 2016. Isso representa dois terços dos 26 estados mais o Distrito Federal.
São eles: Rio Grande do Sul, Pernambuco, Sergipe, Rondônia, Rio de Janeiro, Tocantins, Goiás, Ceará, Paraná, Piauí, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Pará, Minas Gerais, Maranhão, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Nessas audiências, que são feitas, em média, até 24 horas depois do flagrante, um juiz avalia a necessidade de manter o preso atrás das grades durante o processo judicial. A técnica começou a ser aplicada no Brasil em fevereiro de 2015, incentivada pelo CNJ. Entre os seus objetivos, estão o de evitar prisões sem necessidade e tentar diminuir o percentual de presos provisórios em todo o país.
Até então, os presos em flagrante eram levados automaticamente para delegacias, para o registro do boletim de ocorrência e, em seguida, a cadeias e centros de detenção provisória, onde aguardavam até meses por uma audiência judicial.
Hoje, as audiências estão implantadas nas capitais do país. Elas funcionam de forma integral nos estados de Roraima, Mato Grosso do Sul e Amapá, segundo o levantamento mais recente do CNJ, realizado no ano passado.
Prisão X liberdade
Segundo os dados do conselho, cuja última atualização é de dezembro de 2016, já foram feitas 174 mil audiências em todo o país desde 2015. Destas, 54% resultaram em prisão preventiva, e 46%, em liberdade provisória.
O Rio Grande do Sul lidera a proporção de audiências que culminaram em prisões. Segundo o CNJ, das 5.078 audiências feitas entre julho de 2015 e dezembro de 2016, 4.319 resultaram em prisão preventiva, um percentual de 85%. Em seguida, estão os estados de Pernambuco (61%), Sergipe (61%) e Roraima (60%).
Segundo o juiz-corregedor Vanderlei Deolindo, que coordena o projeto das audiências de custódia na comarca de Porto Alegre, o percentual é alto porque já é feita uma "pré-avaliação" da soltura do preso antes de a audiência ser realizada. "A impressão que dá é que o estado está soltando um percentual muito pequeno. Ocorre que, aqui, nós fazemos uma análise formal de todas as prisões em flagrante antes da audiência de custódia, em que já soltamos os presos que, numa primeira análise, não necessitam ficar atrás das grades. Então, quando chega a audiência, fazemos a avaliação apenas dos réus que praticaram crimes mais graves", afirma.
Segundo o juiz, nesta primeira análise, são soltos entre 38% e 42% dos presos em flagrante - percentual que se aproxima da proporção de liberdade provisória concedida nas audiências dos outros estados. Geralmente, são pessoas sem antecedentes criminais e que não representam perigo para a sociedade caso fiquem em liberdade. Já nas audiências, apenas cerca de 10% são soltos, pois os casos são mais graves.
"Geralmente, em casos de violência doméstica, por exemplo, mantemos a prisão na primeira avaliação, já que a agressão pode voltar a acontecer em curto prazo. Aí, no dia seguinte, na audiência de custódia, vou olhar no olho do agressor e vou ouvir a sua versão. A depender do que for falado, vou conceder a liberdade provisória, mas com medidas protetivas em relação à vítima", afirma o juiz.
Presos provisórios
A maioria dos estados fica em uma faixa intermediária de audiências que terminam em prisão preventiva, entre 45% e 60%. São Paulo, o estado com a maior população carcerária do país (233 mil presos, segundo levantamento de janeiro deste ano realizado pelo G1), é também o que mais fez audiências desde 2015. Foram 36,5 mil audiências, sendo que 50% delas resultaram em prisão.
No período, o estado conseguiu diminuir o percentual de presos provisórios. Segundo levantamento do G1, em 2015, 27,2% dos presos do estado ainda estavam aguardando julgamento. Já em janeiro deste ano, o percentual era de 24,3%. No mesmo período, o índice nacional também apresentou uma leve queda - passou de 38,6% para 37,1%. Outros estados, como o Rio Grande do Sul, tiveram um aumento no percentual.
Deolindo afirma que diminuir o número de provisórios é, de fato, um dos objetivos da realização das audiências de custódia, mas um objetivo considerado secundário. "Os objetivos imediatos são verificar a circunstâncias da prisão e, sobretudo, se houve violência policial. Em que circunstância aconteceu esse fato relatado, é crime ou não? E a autoridade policial agiu dentro da lei?", afirma.
"Queremos garantir a integridade física do preso. Garantir a qualquer indivíduo preso o direito de ser levado a um juiz, a um profissional imparcial, no menor prazo possível. Muita gente do mau é presa em flagrante, sim, mas tem que gente que não é do mau e estava no lugar errado com as companhias erradas, e acaba preso. (...) O objetivo é prendermos melhor. Se vamos prender mais ou menos, só o futuro vai dizer."
Superlotação dos presídios
As audiências de custódia estão previstas no pacto de San José da Costa Rica, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski, afirmou ao G1 em 2015, período em que as audiências estavam sendo implantadas no país, elas asseguram um direito do preso, já que “o Brasil tem sido condenado por tribunais internacionais por causa desta situação prisional caótica”.
O ministro ainda afirmou que as audiências combatem os “males da cultura do encarceramento no país”. Levantamento do G1 publicado em janeiro deste ano mostra que, com o aumento no número de presos no sistema penitenciário, o Brasil já contabiliza um déficit de 273,3 mil vagas. Entre 2015 e 2017, a superlotação aumentou de 65,8% para 69,2%.
Segundo o CNJ, em janeiro de 2016, o conselho pediu aos tribunais de todos os estados que encaminhassem seus planos e cronogramas de expansão das audiências, que, hoje, se concentram majoritariamente nas capitais. Alguns tribunais e magistrados já haviam iniciado as tratativas para a expansão da metodologia, como nos casos dos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Ceará, Santa Catarina e São Paulo. Não há, porém, um cronograma de expansão das audiências para todo o país, de forma integral.
Como funciona uma audiência
Para que o sistema pudesse ser implantado, os tribunais tiveram que adaptar salas e reforçar o policiamento interno. A sessão começa com o juiz questionando ao preso se ele quer falar sobre o crime do qual é acusado e se possui residência e emprego fixos.
Em seguida, um promotor, que faz a acusação, e um defensor público (que serve como advogado para detidos de baixa renda, que são a maioria) fazem perguntas e ponderações que podem ajudar o juiz a tomar a decisão. O tempo médio de cada sessão é de 20 minutos.
Para determinar a liberdade provisória a alguém, um magistrado considera os antecedentes criminais, o risco que o suspeito representa permanecendo nas ruas e a gravidade do crime, entre outros critérios. Ao autorizar a liberdade, o juiz pode aplicar fiança ou medidas cautelares e também a prisão domiciliar, algo mais raro.
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