O Gandhi do Sertão
Como sertanejo apaixonado até pelas suas pedras, que são lindas e nos dão a impressão que falam, como disse certa vez num dos seus livros o meu pai Gastão Cerquinha, noticiei com a alma retorcida e uma profunda dor a morte do ex-deputado Osvaldo Coelho (DEM), de raízes, sentimentos e coração irrigados pelas águas do lendário Rio São Francisco.
Osvaldo, como meu pai, tinha cheiro de bode, aroma de marmeleiro e seu corpo se confundia com xique-xique, porque seus atos, ações e caminhadas eram devotados à terra sertaneja. Com mais de 50 anos dedicados à vida pública, recebendo do povo a honra de representá-lo em 13 mandatos eletivos, dos quais oito na Câmara dos Deputados, Osvaldo defendeu o Sertão até a morte, mesmo sem mandato, como estava.
Não conheci Nilo Coelho, seu irmão, o bravo senador que morreu de um infarto depois de desafiar o regime ditatorial em um histórico discurso da tribuna, quando afirmou que não era presidente do Congresso do PDS, mas presidente do Congresso Brasil, ao cobrar investigação sobre o atentado no Rio Centro. Por tudo que fez, sendo também governador de Pernambuco, Nilo virou mito.
Osvaldo também foi mito. Filho de Clementino de Souza Coelho, o “Coronel Quelé”, e dona Josefa, tinha a liturgia da irrigação, que tirou Petrolina da paisagem de vidas secas, fez riquezas e gerou empregos que não existiam numa terra abençoada pelo rio da unidade nacional, em que se plantando tudo dá, tudo se transforma e faz renascer a vida na sua plenitude.
Quando o conheci, na cobertura da morte do irmão Nilo, em Petrolina, no início dos anos 80, não tive nenhuma dúvida de que seria o grande sucessor e líder do clã. Osvaldo foi mais do que isso. Foi um dos grandes defensores da irrigação, da educação para o Vale do São Francisco. Marcou sua trajetória dedicada às políticas pelo Nordeste e, principalmente, para desenvolvimento do semiárido.
Em Petrolina, foi de Osvaldo Coelho a luta pela implantação do Projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho, que transformou o cenário local em uma das maiores potências na fruticultura irrigada do País. A produção em larga escala de frutas, como manga e uva, fez do Vale do São Francisco um local atrativo para grandes investidores.
A implantação da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que tornou a região um polo na educação, também teve forte presença dele. Foi responsável, igualmente, pela criação da Escola Técnica e Agrotécnica em Petrolina. Conhecido como o “Deputado da Irrigação”, Osvaldo Coelho era visto como a “Força do Sertão”, justamente por priorizar o homem sertanejo nos projetos de desenvolvimento.
Em um dos artigos, que frequentemente publicava, Osvaldo Coelho finalizou com a frase: “Espero que as pessoas lembrem de mim como aquele que fez de tudo para fortalecer os mais fracos”. Esta ideia resume sua trajetória, com uma política que tinha como propósito dar dignidade àqueles que muitos precisavam: os sertanejos atingidos pelo fenômeno da seca, assim como ele mesmo ainda na década de 1930, em que presenciou um cenário cruel de retirantes.
Como Gandhi, que combatia a divisão da Índia entre hindus e muçulmanos, Osvaldo não concebia que o Nordeste fosse tratado de forma desigual, entre uma gente que prosperava nas regiões metropolitanas e outra, discriminada e sem oportunidades, que ia morrendo ao deus dará nas terras do semiárido.
Certa vez ouvi de Jarbas Vasconcelos, ainda na condição de governador de Pernambuco, que do clã Coelho, família política e poderosa que se espalhou às margens do rio São Francisco, Osvaldo era o que tinha, na verdade, mais espírito público. E que nunca o havia recebido em audiência para tratar de questões pessoais. “Ele sempre tratava das causas públicas”, repetia Jarbas.
Marqueteiro e publicitário de mão cheia, José Nivaldo Júnior, da Makplan, disse, ontem, chorando copiosamente com a notícia da morte de Osvaldo, que ele era o braço do Sertão. Na verdade, ele foi braço, tronco e membros. Foi a cabeça pensante, a voz dos oprimidos, dos que tinham esperança em crescer feito gente nas áreas irrigadas do São Francisco.
Foi o nosso Gandhi sertanejo!
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