VEJA - Sergio Praça
O ministro da Justiça Alexandre de Moraes (PSDB) acaba de ser indicado pelo presidente Michel Temer (PMDB) para uma das onze vagas no Supremo Tribunal Federal. É uma opção arriscada do presidente. Moraes está fazendo um péssimo trabalho como ministro. A crise nos presídios não seria resolvida repentinamente, mas sua liderança e suas ideias estão aquém do razoável, como já afirmei em outro texto. Diante disso, a indicação de Moraes é surpreendente. Trata-se de tentar colocar uma figura polêmica em um dos cargos mais importantes do país. Temer está tratando o STF como ministério.
Cabe aos onze juízes do STF analisar a constitucionalidade das leis aprovadas pelo Congresso Nacional e pelo presidente. Funciona como último recurso de partidos políticos (bem como das mesas diretoras da Câmara e do Senado), Ministério Público Federal, Ordem de Advogados do Brasil, sindicatos, governadores e Assembleias Legislativas para brecar uma decisão com a qual discordam. São esses os atores políticos que podem propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). De acordo com ótimo estudo de Matthew Taylor, a OAB e o Ministério Público são os atores políticos que mais usam este instrumento de modo eficaz.
Além disso, com o Mensalão e a Lava Jato, o STF foi (e está sendo) obrigado a lidar com matérias penais. O Supremo julga crimes de ministros e parlamentares com foro privilegiado, e essa é uma das piores regras existentes no país. Por causa disso, temos que nos preocupar com quem é o relator da Lava Jato (agora é Edson Fachin) e com a posição de Alexandre de Moraes sobre a execução provisória da pena em segunda instância, o mecanismo que permite colocar criminosos ricos na cadeia sem que Kakays livrem seus corpos.
Sendo assim, Michel Temer poderia ter sido mais cuidadoso na indicação. Moraes tem 49 anos. Caso tudo corra bem, ficará no Supremo por 26 anos, pois aos 75 será obrigado a se aposentar. É tempo suficiente para influenciar mais a política nacional do que o próprio Temer. Por isso espanta o fato de Moraes ser filiado ao PSDB. Não é comum que ministros do Supremo sejam filiados a partidos políticos.
Desde 1946, houve uma progressiva diminuição na atuação partidária dos escolhidos para compor o STF. Segundo os cientistas políticos André Marenco e Luciano Da Ros, autores do estudo “Caminhos que levam à Corte: carreiras e padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro (1829-2006)”, 33% dos juízes escolhidos entre 1985 e 2008 tinham filiação partidária, contra 43% no período 1946-1964. A implicação disto é clara: o Supremo Tribunal Federal tornou-se, ao longo do tempo, espaço de disputa da comunidade jurídica mais do que do campo político.
Temer está desafiando isso. Quem poderia brecá-lo são os senadores – primeiro na Comissão de Constituição e Justiça, depois no plenário –, mas é improvável que o façam. O presidente não é amador e provavelmente está sabendo antecipar a reação dos parlamentares à escolha de Moraes. A escolha também faz sentido considerando a aceitação de Moraes pela comunidade jurídica, fator tido como o mais relevante para a nomeação ao STF, de acordo com um estudo de Leany Lemos e Mariana Llanos publicado na Latin American Politics and Society.
Resumindo: a chance de Alexandre de Moraes não ser ratificado pelos senadores é pequena, mas existe. Este é o risco que Temer assumiu ao tratar indicação para o STF como se fosse a escolha de Ministro da Justiça. Mais do que ninguém, um constitucionalista teria obrigação de saber separar as coisas.
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