Nesta entrevista à Veja, o senador petista Tião Viana (AC) diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem responsabilidade pela crise moral que assola o Senado e que seu governo controla a Câmara dos Deputados na base do fisiologismo. Aos 48 anos, Viana tem autoridade para falar sobre o assunto. Já foi líder do PT e do governo Lula no Senado. Em fevereiro, disputou a presidência da Casa. Perdeu para José Sarney (PMDB-AP), que tomou o apoio que o Palácio do Planalto lhe havia prometido. Agora afirma que não aceitaria mais o cargo.
Como o Senado chegou a um nível tão baixo?
Até 2002, ainda havia no Senado um debate conceitual, ideológico. No início do governo Lula, ainda votamos a Reforma da Previdência. Mas logo o mensalão substituiu esses projetos na agenda da Casa. Daí em diante, nada mais andou, e perdemos a conexão com os interesses do cidadão.
O Senado ainda faz algo relevante?
A Casa está em chamas. Perde 80% do tempo em debates vazios e gasta os 20% restantes numa disputa entre governo e oposição que não leva a lugar nenhum. No Senado, o governo tem uma maioria apertada e vive no fio da navalha. Negocia voto a voto. Na Câmara dos Deputados, é mais fácil porque lá o fisiologismo impera.
Poderia explicar melhor?
É da cultura política brasileira. O governo controla a Câmara atendendo aos pedidos dos deputados com emendas parlamentares e com nomeações para cargos no Executivo.
A forma como o presidente Lula negocia com o Senado é adequada?
Lula é o melhor presidente que o Brasil já elegeu. Os resultados econômicos e sociais do seu governo nos orgulham. No entanto, ele deixa uma grande frustração no que se pensava ser uma de suas maiores habilidades: a política partidária. Lula nada fez para evitar a desconstrução e a perda de autoridade moral do Congresso. Os partidos estão mais fracos e deteriorados do que antes de sua posse. E é papel do chefe de estado fazer com que as instituições como o Parlamento sejam vigorosas.
O que explica a omissão dele?
Dá para entender as razões do presidente Lula. Ele sofreu muito com as ofensas pessoais durante o mensalão. Depois disso, com 82% de aprovação popular, adotou o pragmatismo para manter a maioria no Parlamento e resolveu que não precisava do Congresso. Tanto que José Dirceu foi o último ministro (da Casa Civil até 2005) que dialogou com o Senado.
O presidente Lula defende um tratamento privilegiado ao senador Sarney. E o senhor?
Sarney deve ser tratado como uma pessoa comum. Acontece que o presidente Lula é muito generoso com quem está em dificuldade. Marcou a vida dele o fato de Sarney tê-lo defendido na eleição de 2002, quando enfrentou o (governador paulista) José Serra, e de ter sido solidário no episódio do mensalão. Por isso, Lula foi até onde pôde com a minha candidatura à presidência do Senado. Depois, olhou com pragmatismo para as eleições de 2010, que são fundamentais para o seu projeto de nação.
O presidente Lula o traiu na eleição do Senado?
Ele levou em conta que o PMDB é essencial para 2010. Decidiu respeitar as forças que impuseram a candidatura Sarney, porque privilegiou a candidatura Dilma Rousseff e a necessidade de coalizão. Não guardo mágoas, mas é uma tragédia um partido dirigir as duas casas do Congresso. Ainda mais quando esse partido é o PMDB.
Por quê?
O PMDB é a essência do fisiologismo. Tem bons quadros, mas vive de troca de favores. Ignora concepção programática, visão doutrinária, tudo para acomodar os interesses dos seus parlamentares, que só querem assegurar suas reeleições.
O senhor ainda quer ser presidente do Senado?
Se me oferecessem o cargo hoje, a cadeira ficaria vazia. Eu não romperia com meus ideais por um ato de vaidade. Nós, idealistas, achamos que o Legislativo não sobreviverá se continuar funcionando apenas na base do beija-mão do governo. O Senado deveria cuidar da regulação e da proteção do estado sem ultrapassar o limite de revisor das leis. Não dá para presidir a Casa hoje sem forças para fazer o resgate desse papel. Aliás, Sarney deveria tomar consciência de que, sozinho, ele é insuficiente para mudar o Senado. Por uma razão: foi eleito com o apoio daquela casta de servidores para manter a estrutura atual. Ele deveria radicalizar na transparência e adotar medidas moralizadoras.
O senhor fala em idealismo, mas confundiu o bem público com o privado ao emprestar um celular do Senado para sua filha usar em uma viagem de férias ao México.
Eu errei. Foi um ato irrefletido de um pai superprotetor. A minha filha ia para um lugar estranho e, para encontrá-la a qualquer momento, entreguei o celular. Mas, um mês e meio antes da chegada da conta, que é trimestral, acessaram minha fatura e me denunciaram. Isso me causou uma dor profunda, comprometeu toda uma vida baseada na humildade e na coerência. Paguei a conta antes que o Senado gastasse um centavo.
De onde o senhor tirou dinheiro para pagar a conta de 14 000 reais se recebe um salário líquido de 12 000 reais?
Fiz um empréstimo bancário para pagar em 72 vezes. A minha filha levou o celular só para receber ligações minhas ou da sua mãe. Tomei um susto com a conta, que chegou a essa soma por uma fatalidade. A mãe do namorado dela teve ruptura de um aneurisma cerebral no dia seguinte à viagem e passou dez dias em coma. Ela se descontrolou com as ligações.
O senhor lhe deu uma bronca?
Não, fiquei com pena. Ela sofreu tanto pelo namorado e, depois, por mim. Mas quem não erra na vida na condição de pai? Esse caso me fez refletir sobre o tênue limite entre o público e o privado. Tenho uma cota mensal de 250 reais para telefone fixo em casa, mas não posso proibir que um filho faça um interurbano para o avô no Acre. É difícil separar o público do privado nessas pequenas coisas. Escrito por Magno Martins
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