Nos países de primeiro mundo, a Imprensa costuma assumir candidaturas presidenciais. No Brasil, só lembro de um: o Estadão, que em editorial de primeira página revelou ter simpatias pelo então candidato do PSDB ao Planalto, José Serra, derrotado em 2010 pela presidente Dilma.
Vinte e dois anos após o histórico debate entre Lula e Collor, a Globo admitiu que manipulou a edição do Jornal Nacional do dia seguinte em favor de Collor. Em seu livro, José Bonifácio, o então poderoso Boni, revela que a emissora assumiu o lado de Fernando Collor de Mello. Segundo ele, após ser procurado pela assessoria do ex-presidente, o superintendente executivo da Globo, Miguel Pires Gonçalves, pediu que ele palpitasse no evento.
“Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade”, contou. E acrescentou: “Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor com uma ‘glicerinazinha’ e colocamos as pastas todas que estavam ali com supostas denúncias contra o Lula – mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco”.
“Todo aquele debate foi [produzido] – não o conteúdo, o conteúdo era do Collor mesmo -, mas a parte formal nós é que fizemos”, lembrou. Ao contar algo que todos já sabiam, fazendo questão de acrescentar detalhes picantes, para ter mais repercussão, Boni expõe um lado cruel da mídia brasileira.
Postura, aliás, que é antiga, mas nenhum veículo assume. Até na eleição indireta para presidente vivi isso de perto em Brasília. Plantonista da noite no Correio Braziliense, que muitas vezes varava a madrugada, fui escalado para cobrir um jantar oferecido pelo então candidato do PDS, Paulo Maluf, a deputados simpáticos à sua candidatura no chamado Colégio Eleitoral, em 1984.
Não sabia, sinceramente, que o jornal havia fechado com Maluf, mas desconfiei pelo tratamento diferenciado que recebi no convescote: o carro de reportagem do Correio foi um dos únicos a furar a barreira de acesso ao estacionamento e lá dentro encontrei um Maluf extremamente receptivo.
Já era tarde, mas o jornal deixou meia página aberta para a edição de um texto revelando as novas adesões que Maluf havia recebido naquela noite, fazendo crer que sua candidatura era imbatível. O ex-governador de São Paulo bateu Andreaza na convenção do PDS, mas na disputa final perdeu para Tancredo Neves.
Dez dias antes do jantar o editor havia reunido os setoristas de política, e eu não sabia, para informar a decisão de que o jornal havia malufado. O verbo malufar, quando cheguei para trabalhar em Brasília em 84, era então o mais conjugado.
Mesmo após o curto e duro recado aos jornalistas, não lembro de nenhum ter pedido demissão do Correio, o jornal ainda mais influente da capital, integrante da rede dos Diários Associados.
Em 15 de janeiro de 1985, a chuva forte em Brasília não impediu que uma multidão se concentrasse em frente ao Congresso, parte abrigada sob uma bandeira nacional, alguns escalando as cúpulas de concreto.
Lá dentro, com plenário e galerias lotados, Tancredo Neves era eleito o primeiro presidente civil no País em 21 anos, pelo mesmo instituto criado pelos militares para eleger seus generais: o Colégio Eleitoral.
Na sessão, que durou cerca de três horas e meia, Tancredo derrotou o candidato do extinto PDS, Paulo Maluf, que não tinha apoio unânime entre os militares. Foram 480 votos contra 180.
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