Vivi pela primeira vez a emoção das curvas da estrada de Santos, imortalizadas numa canção de Roberto Carlos, em 2001 numa ocasião muito triste: a cobertura do enterro do ex-governador Mário Covas. A cidade amanheceu com saudade. Ruas vazias e mensagens de agradecimento.
Não houve aulas no colégio onde Covas estudou. Foi lá que o “Zuza” iniciou sua paixão pelo esporte, principalmente futebol e basquete. Outra paixão eram as coisas de Santos, como o Santos Futebol Clube e os pastéis, que procurava sempre num café tradicional no centro da cidade. Um dos melhores amigos da adolescência resumiu o sentimento dos santistas: “Mário, onde quer que você esteja, valeu”.
“Acabou"! Foi assim que dona Lila resumiu o sofrimento que enfrentou durante a lenta agonia no hospital, onde Covas foi vencido por um câncer aos 70 anos no início de marco de 2001. Covas recebeu as últimas homenagens na cidade em que nasceu e viveu até os 32 anos de idade. O corpo chegou a Santos no início da tarde, com milhares de pessoas à sua espera pelas ruas.
Os admiradores acompanharam a passagem do cortejo pelas principais ruas da cidade agitando bandeiras. No centro, o carro do Corpo de Bombeiros foi cercado pela cavalaria. Na Praça José Bonifácio foram feitas as últimas homenagens com honras militares: uma salva de tiros pelo Batalhão de Infantaria.
No velório, em São Paulo, dona Lila, que exercia na vida política de Covas outro papel importante, o de conselheira política de Mário Covas, sendo o contraponto ao temperamento explosivo dele, foi consolada pelo ex-presidente Fernando Henrique, José Serra e tantos políticos que militaram ao lado do marido.
Cercada por honras militares, dona Lila, conforme narrei na reportagem sobre os funerais, nem deve ter lembrado quando, nos anos 60, enfrentou os oficiais do exército para saber informações do jovem deputado do então MDB, que havia sido preso por desafiar a ditadura.
Depois do enterro, dona Lila disse a assessores que a morte foi um alívio para Mário Covas. Ela voltou para casa, com os filhos. Deixou no pequeno cemitério, o companheiro da vida toda e a filha, que perdeu tragicamente, há vinte e cinco anos. Entre os que foram ao enterro, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, que classificou Covas de uma grande referência de caráter, integridade e ética na política.
Covas iniciou sua vida pública em 1961, quando foi candidato derrotado à Prefeitura de Santos. A respeito disso, Covas dizia que só não conseguiu ser eleito em duas coisas: presidente da República e prefeito de Santos. No ano seguinte conseguiu eleger-se para seu primeiro cargo, o de deputado federal, pelo PST. Com a dissolução dos partidos políticos em 1965, seria um dos fundadores do MDB, único partido político de oposição existente durante o Regime Militar.
Em 1968, foi líder da bancada oposicionista na Câmara dos Deputados, sendo cassado em 1969, com a outorga do AI-5. Com a cassação, e a perda dos direitos políticos, Covas dedicou-se à Engenharia. Em 1979, retomou a luta contra a ditadura, tornando-se presidente do MDB. Foi reeleito deputado federal em 1982 pelo PMDB (sucessor do MDB), com um total de 300 mil votos.
Com a posse do governador André Franco Montoro em março de 1983, seria nomeado por ele secretário de Estado dos Transportes. No entanto, apenas dois meses depois, com o apoio do próprio Franco Montoro, venceria o grupo de Orestes Quércia dentro do PMDB e seria nomeado para a Prefeitura de São Paulo, que comandaria até o primeiro dia de 1986, quando passou o cargo para Jânio Quadros. Como prefeito de São Paulo, conduziu um amplo processo de asfaltamento de ruas, de melhoramentos na periferia da cidade e de recuperação dos órgãos e serviços públicos.
Em 1986, ano em que foi instituído pelo presidente José Sarney o Plano Cruzado, considerado pela oposição um "estelionato eleitoral" por favorecer os candidatos da situação, Covas foi eleito senador com 7,7 milhões de votos, a maior votação de um candidato a cargo eletivo na história do Brasil até então, beneficiado também pela reputação conquistada como prefeito.
Foi líder da bancada do PMDB no Senado durante a Assembleia que elaborou a Constituição de 1988. Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, alinhou-se muitas vezes às bancadas de esquerda e fez oposição ao chamado Centrão, bloco suprapartidário liberal de direita.
Em 1987, o governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, propôs a Mário Covas a formação de uma chapa dentro do PMDB para a disputa das eleições presidenciais seguintes, na qual Covas seria o candidato e Collor, o vice. Mário Covas recusou o convite. Nas eleições presidenciais de 1989, as primeiras desde 1960, Covas foi o candidato do PSDB tendo como vice Almir Gabriel, ficando em quarto lugar.
Em 1994, Covas foi eleito governador de São Paulo derrotando Francisco Rossi (PDT) no segundo turno com oito milhões de votos, sendo depois reeleito em 1998 para mais quatro anos de governo. Covas pegou o Estado em péssima situação financeira e deixou em caixa R$ 7 bilhões. Para isso, demitiu funcionários, paralisou obras e privatizou três mil quilômetros de rodovias.
Ficou magoado com a intervenção do Governo Federal no Banespa, que foi leiloado. Renegociou dívidas com empreiteiras e com a União, o que incluiu a venda das ferrovias e da Companhia de Energia Elétrica, a Cesp.
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