O ex-presidente Lula era líder do PT na Câmara em 1987, ano da Constituinte, quando o entrevistei com exclusividade para o Diário de Pernambuco pela primeira vez. Eleito com a maior votação para Câmara Federal pelo Estado de São Paulo em 1986, Lula foi um aguerrido e combativo líder, tendo uma participação destacada na Constituinte se insurgindo contra o Centrão, movimento da direita conservadora liderado por outro pernambucano – Ricardo Fiúza.
Apesar de ser o candidato natural à Presidência da República na primeira eleição direta pós-ditadura em 1989, Lula não havia ainda construído uma relação maior com Pernambuco. Embora nascido em Caetés, então distrito de Garanhuns, para Lula o mundo girava em torno de São Paulo. Minha curiosidade era ouvir dele relatos das suas origens em Pernambuco, falar mais de sua família.
A política entraria ao longo da entrevista como algo secundário. Eu dirigia a sucursal do DP em Brasília. Além de Pernambuco, apenas Bahia, com o companheiro Fonseca, que dirigia A Tarde, e Fortaleza, com o Diário do Nordeste, entregue ao comando de Ibiapina, tinham sucursais na capital federal.
Por isso, Lula, acostumado a receber na liderança do partido apenas a mídia nacional, se surpreendeu com a minha persistência pela entrevista na condição de representante de um jornal nordestino. Adentrei no seu gabinete com um gravador cafona, tamanho gigante, daqueles de fita cassete. Encontrei um Lula receptivo, brincalhão e sorridente, mas já adepto de charutos e cigarrilhas.
Falou de Dona Lindu, sua mãe, e seu Aristides, o pai, que moravam no sítio Vargem Comprida, em Caetés quando ele nasceu. Num dos relatos sobre a família, lembrou o episódio que viu o pai, então já separado da mãe e morando em São Paulo, pela primeira vez aos cinco anos de idade. Desconfiado, perguntou a mãe: “Quem é esse homem”.
Lula falou, ainda, da sua vida em São Paulo como ambulante, engraxate, office boy e auxiliar numa tinturaria e de seu primeiro emprego com carteira assinada numa fábrica de parafusos. Chegou a abordar, ainda, o episódio em que perdeu um dedo esmagado numa prensa. O incidente ocorreu por volta das duas manhã e Lula teve que esperar até às 6 horas com a mão enrolada em panos para o patrão chegar e levá-lo ao hospital conveniado com o instituto de previdência social da época.
O Lula deputado relembrou ainda da sua entrada no movimento sindical influenciado pelo irmão Frei Chico, que com ele visitou pela primeira vez o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. “Eu queria só ser um bom profissional, ganhar meu salário, viver minha vida. Ter filhos. Nada disso de ser liderança sindical me passava pela cabeça”, contou.
No campo político, Lula falou dos atritos que teve com Ricardo Fiúza. O Fiuzão, como ele se referia ao deputado pernambucano e líder do Centrão, tentou barrar à limitação do direito de propriedade privada, foi contra o aborto, à jornada semanal de 40 horas, à soberania popular, o voto aos 16 anos e a estatização do sistema financeiro, tudo que Lula defendia e votou favoravelmente.
“Mas o Fiuzão é do diálogo e cumpre o que acerta nas negociações”, disse ele. A entrevista de Lula foi publicada num domingo, passei na rodoviária de Brasília, local em que havia uma banca que se comprova todos os jornais do País, e comprei um exemplar para dar ao meu entrevistado especial.
Ele gostou da entrevista e a partir de então só me chamava de Pernambuco quando me identificava nas coletivas de Imprensa. Mais tarde, candidato à Presidência da República em 1989 contra Collor, pleito em que saiu derrotado, Lula me concedeu outras tantas entrevistas, as quais eram provocadas por ele assim: “Passa no meu gabinete. Quero e preciso falar para Pernambuco”.
A relação foi criada e em 2001, um ano antes de Lula emplacar a Presidência da República depois de três tentativas frustrantes, fui convidado para integrar a sua comitiva numa viagem a Cuba, que contarei em outra oportunidade.
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